domingo, 19 de agosto de 2012

Admirável mundo novo: A função social da maternidade e o tratamento discriminatório de gestantes em concursos públicos

Parece que o admirável mundo novo está chegando, só parece. As mulheres nas últimas décadas, conquistaram o inimaginável, o mercado de trabalho, espaços de poder, os bancos das universidades, a presidência da república.

Nesse mundo, no entanto, não tem lugar para a maternidade e as mulheres precisam driblar muito para conciliar suas tarefas como trabalhadora e a função materna. E se antes todos tinham uma "santa mãezinha" que era preciso reverenciar, isso hoje, parece coisa do passado, afinal porque louvar a maternidade?

Transformaram-se alguns costumes e a revolução propiciou um novo status para a cidadania das mulheres, mas no turbilhão dessas transformações, quão dura ainda é a vida das mulheres! Conseguimos invadir o espaço público e afirmar que o privado também é político, mas o interior das nossas casas e a família ainda não foram mudados, esses dois mundos se sobrepõem.

Assim, em nome do mercado e de conquistas ainda não definitivamente consolidadas - numa sociedade em que todas as tarefas da socialização das crianças, cuidar dos velhos e dos doentes são atribuições femininas – a maternidade precisa avançar rapidamente para sua fundamentação de função social. Porque ser mãe não é uma decisão individual, escolha.

Há décadas os movimentos feministas reivindicam que a maternidade seja reconhecida em sua amplitude - como trabalho realizado pelas mulheres, que contribui para a reprodução da mão-de-obra e, consequentemente, cumpre uma função social e econômica. Sob a égide de sociedades machistas e patriarcais, a maternidade acabou sendo historicamente instituída como obrigação das mulheres; classificada como trabalho reprodutivo, nunca foi reconhecida nem remunerada.

Não bastasse as condições históricas e opressivas nas quais estão submetidas a maternidade e a mulher, cotidianamente enfrentamos os tratamentos discriminatórios que a tarefa social de reproduzir nos impõe.

Exemplo disso, é a impossibilidade de gestantes assumirem concursos públicos. Na maioria dos processos seletivos em que há exame de capacitação física, ocorre o desligamento sumário ou a exclusão de candidata que comprovar estado de gravidez incompatível com a realização do teste de esforço físico na data fixada, não garantindo-se, nesses casos, a realização da prova em nova data.

A discriminação em tela, que se combate, revela uma concepção ultrapassada do papel da mulher na sociedade, abolida do ordenamento jurídico em vigor no País desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. Isto é, parece que a mulher deve decidir entre ter filhos e trabalhar, uma vez que a realização de ambas as tarefas é posta como incompatível.

Além disso, falta a fundamentação necessária para demonstrar a suposta incompatibilidade da condição de gestante com os testes físicos específicos a serem exigidos durante o processo de seleção. Com base em quais dados e fatos se estabelece tal afirmação? Ainda assim, é preciso adequar a seleção dos concorrentes sem gerar nenhum tipo de tratamento prejudicial para gestantes, privando-as de direitos fundamentais tão caros a qualquer indivíduo e mais caros às mulheres.

Reconhecer a maternidade como função social é reconhecer que as mulheres ao serem mães cumprem um papel na sociedade que, por indelicadeza do destino, os homens não podem cumprir. Mas, para além disso, é reconhecer que quando falamos de função social, repartimos a tarefa com toda a sociedade e estado que se apropria desta função. Por isso, dispensar tratamento discriminatório a quem cumpre a função social da maternidade em nossa sociedade não é razoável, é estagnar o avanço de uma sociedade como um todo.

* Amanda Jaqueleine é feminista , militante da Marcha Mundial das Mulheres e membro da coordenação nacional do Coletivo Enegrecer.

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