Políticas públicas de juventude como eixo estratégico na construção de um Estado radicalmente democrático
Políticas públicas
de juventude como eixo estratégico na construção de um Estado radicalmente democrático[1].
Clédisson Júnior[2]
INTRODUÇÃO
O neoliberalismo foi impulsionado
pelo relativo fracasso do Estado de Bem-Estar Social na Europa e EUA, que é caracterizado
por uma intensa e progressiva intervenção planejada da economia para evitar a
desordem produzida pelo mercado. O Estado controlava áreas estratégicas como energia,
bens minerais, empresas públicas, além de desempenhar um papel importante como
estimulador de determinados setores através de subsídios à produção. Financiador
também das necessidades básicas da população, tais como educação, saúde,
transporte, moradia, etc.
Pensadores neoliberais defendiam que, nessa fase seguinte do
desenvolvimento capitalista (globalização), deveria ser modificado o papel do
Estado nacional, tornando-se necessário a implantação do Estado mínimo isto é,
menos Estado e mais mercado.
A proposta neoliberal
passou a ser vista como uma saída para a nova crise do capitalismo que se
configurava, entre outros elementos, como a crise do fundo público, que trouxe
com ela uma substancial perda dos direitos sociais e o conseqüente aumento da
exclusão.
O neoliberalismo passou a se configurar como uma estratégia de poder implementada de forma articulada. Através de um conjunto regular de reformas concretas no plano econômico, político, jurídico, educacional e através de uma série de estratégias culturais, este sistema buscou impor novos diagnósticos acerca da crise e construiu novos significados sociais, visando legitimar suas próprias reformas.
O Estado que herdamos.
No Brasil o governo Collor de Mello iniciou o processo de abertura da economia ao mercado internacional por via da redução das barreiras alfandegárias. O programa de privatização e de desmonte do Estado fez parte da agenda do seu governo, como pré-condição para o combate à inflação. Neste governo foi lançado o programa de reestruturação produtiva, com ênfase na gestão pela qualidade e pela produtividade.
No governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso se manteve a mesma agenda do governo Collor, que
tinha como meta acabar com a inflação, privatizar, reformar a Constituição para
flexibilizar as relações entre o Estado e a sociedade, bem como as relações
entre capital e trabalho.
O
governo FHC realizou cortes nos gastos públicos, principalmente nas políticas
sociais. Com isso, a sociedade brasileira viveu um exponencial aumento da
pobreza e das desigualdades sociais.
Estigmatizados
pela herança da escravidão e excluídos do processo salarial competitivo, negras
e negros em especial sua juventude se tornaram as principais vítimas das
reformas neoliberais, que intensificaram a naturalização do processo dialético
de exclusão e inclusão, aprofundando o preconceito e a discriminação e
reforçando o caráter ideológico do sistema punitivo regido pelo código penal
brasileiro.
A
retomada do papel do Estado e as políticas públicas de juventude
O processo político desencadeado pelas vitorias do campo
democrático popular nas eleições nacionais, a partir de 2003, possibilitou
derrotar democraticamente e sistematicamente o receituário neoliberal que
dominava o Brasil desde o inicio dos anos 90 do século passado. Uma vez
derrotada a perspectiva neoliberal o Brasil passou a perseguir outra
trajetória. Dados recentes reposicionaram o país na 6ª posição do ranking entre
os países de maior economia do mundo, com recuperação da importância relativa
do rendimento do trabalho, apresentando nos últimos dez anos um número superior
a 21 milhões de novos postos de trabalho, assim como melhoria nos padrões
salariais mínimos e médios.
No período pós-neoliberal a
importância dada ao trabalho promoveu a alteração consistente da estrutura
social brasileira. A mobilidade social fruto deste processo incluiu um grande
contingente de brasileiros/as na classe média, produzindo uma inédita e
histórica diminuição da pobreza no país. A alteração na configuração da
pirâmide social, resultado das recentes conquistas do trabalho sobre o capital,
aponta para o fortalecimento de uma correlação de forças no interior da
sociedade posicionando novos elementos nesta disputa, visando promover a
inclusão de uma significativa parcela da população brasileira que sempre esteve
à margem da dinâmica de acesso aos bens básicos, como nossa juventude, as
mulheres e em especial a população negra.
A retomada do caráter indutor do Estado frente a seu próprio
desenvolvimento e o ascenso de novas forças comprometidas com as bandeiras históricas
do movimento social popular permitiu que muitas das ações governamentais respondessem
às demandas de diversos setores de nossa sociedade, inclusive o segmento
juvenil por meio das políticas publicas para a juventude (PPJ’s).
Compreendemos políticas publicas como diretrizes, princípios
norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações
entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do
Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas
em documentos que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos
públicos, no seu processo de elaboração e implantação e, sobretudo, em seus
resultados, formas de exercício do poder político, envolvendo a distribuição e
redistribuição de poder, o papel do conflito social nos processos de decisão, a
repartição de custos e benefícios sociais. Como o poder é uma relação social
que envolve vários atores com projetos e interesses diferenciados e até
contraditórios, há necessidade de mediações sociais e institucionais, para que
se possa obter um mínimo de consenso e, assim, as políticas públicas possam ser
legitimadas e obter eficácia.
As crescentes demandas por políticas publicas focadas na temática
juvenil são resultantes do crescimento da população jovem no Brasil, associado
a um período de baixo crescimento econômico (período neoliberal), aumento da
informalidade e da flexibilização no mundo do trabalho (reestruturação
produtiva neoliberal), que vitimou toda uma geração de jovens que sofreram e
ainda sofrem com a falta de postos de trabalho, ou, muitas vezes, com a
inserção em postos de trabalho precários.
Até um período recente o Estado compreendia as juventudes
como potenciais organizadores da desordem social e de grande potencial criminoso,
sua incidência por meio de políticas públicas objetivava controlar os jovens a
partir da repressão às suas praticas comportamentais.
A partir dos significativos avanços obtidos nas diferentes
arenas de atuação juvenil, como a academia e a militância social, desenvolveu-se
um novo paradigma conceituador de juventudes, compreendendo os jovens, homens e
mulheres como atores políticos e protagonistas de suas próprias trajetórias.
A falta de consenso entre os gestores das políticas públicas
sobre quais especificidades destas juventudes devem ser atendidas, tem gerado
uma visão generalizante e uma conseqüente ineficácia de muitas das políticas hoje
em execução. Em que pese a importância dada a segmentos como trabalho e renda,
educação, saúde, entre outros temários, se faz necessário a apropriação por
parte destes gestores, (formuladores e executores) dos impactos que cada ação
agirá sobre os múltiplos segmentos juvenis, trazendo para o centro deste debate
a potencialização das ações afirmativas.
O novo
já nasce velho
Os avanços obtidos no último período são decorrentes da
adoção de políticas públicas para juventude brasileira que levaram em conta as
diferenças e especificidades de cada segmento juvenil, a partir de múltiplos focos
identitários. A combinação de políticas advindas do setor de segurança pública,
programas de reestruturação do ensino superior público, oferta de bolsas
subsidiadas pelo governo nas universidades privadas, universalização do ensino básico,
a agenda pelo direito ao trabalho decente, aliadas a uma conjuntura macroeconômica
favorável, permitiu um significativo avanço na qualidade de vida dos/as brasileiros/as,
contudo este avanço não foi “sentido” de forma igualitária por todos os setores
de nossa juventude.
Tais avanços não foram suficientes para romper com um mau
que há séculos assola a sociedade brasileira, a discriminação racial. O pertencimento racial tem importância significativa na
estruturação das desigualdades sociais e econômicas no Brasil. A naturalização
da desigualdade, por sua vez, fomenta no interior da sociedade civil resistências
teóricas, ideológicas e políticas para identificar o combate à desigualdade
como prioridade das políticas públicas. Sendo a juventude o principal segmento
populacional a sofrer com os limites do Estado brasileiro no atendimento às necessidades
básicas de sobrevivência e garantias da dignidade, restou a juventude negra a
pior posição neste cenário.
São os/as jovens negros/as que estão em maior numero entre
os desempregados/as, estamos entre aqueles/as que levam o maior tempo para ser
absorvido pelo mercado formal de trabalho, com menor tempo de escolaridade,
detentores/as dos postos de trabalhos mais precarizados, sem acesso à justiça e
vitimas constantes de praticas genocidas do braço armado do Estado. A intensa
desigualdade racial brasileira, associada às formas usualmente sutis de discriminação
racial, impede o desenvolvimento das potencialidades, assim como o sucesso das
políticas públicas para a nossa juventude. O entendimento dos contornos
econômicos e sociais da desigualdade e o acesso às políticas públicas entre jovens
brancos/as e jovens negros/as apresenta-se como elemento central para se
construir uma sociedade democrática, socialmente justa e economicamente eficiente.
A busca pela desconstrução da naturalização da desigualdade
racial se torna, portanto, eixo estratégico na formulação e execução das políticas
públicas para a juventude brasileira, objetivando a construção de uma sociedade
radicalmente democrática.
[1] Este texto foi produzido com o intuito de
subsidiar a discussão sobre políticas públicas para a juventude, pelos
participantes da II Etapa Nacional de Formação da Associação Cultural Agentes
de Pastoral Negros (APNS), realizada entre os dias 25 a 27 de julho na cidade
de Belo Horizonte.
[2] Coordenou a diretoria de
combate ao racismo da União Nacional dos Estudantes (2009-2011) foi membro do Conselheiro
Nacional de Promoção da Igualdade Racial - CNPIR/Seppir (2010-2012) e
atualmente é Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve) representando o
Coletivo Nacional de Juventude Negra – ENEGRECER.
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