quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Para atualizar a cultura política no movimento estudantil




Quando tratamos dos problemas vividos pelas lideranças estudantis para ampliar o alcance do movimento estudantil (ME), logo vem à cabeça uma explicação simples: reina uma apatia geral entre os estudantes. "Ah, bando de alienados". O imediatismo tem sido a base da ação política do ME contemporâneo. O seu horizonte não consegue ultrapassar as entidades – que foram burocratizadas, em seu conjunto – e apenas aquilo que surge a partir delas.

O distanciamento dos estudantes em relação as suas entidades é resultado do isolamento destas em seu próprio mundo. A forma burocrática e limitada de organização, os discursos repetitivos dos jargões, as reuniões descoladas de planejamentos, muitas vezes presas por detalhes que se sobrepõem ao debate fundamental, dentre outras coisas, são a forma através da qual o movimento se apresenta para o estudante. Eles não conseguem ver, por meio de sua participação, influência alguma sobre o seu cotidiano.

O ME vem perdendo, paulatinamente, seu caráter formativo. O tarefismo do cotidiano das entidades – bastante acentuado com o processo de confecção de carteirinhas desde os anos 90 – e os discursos enlatados dos jargões, dentre outros empecilhos, demonstram que as entidades não estão contribuindo para a formação de pessoas comprometidas com novos valores. Assim, as reivindicações são levadas à frente com os estudantes permanecendo distantes delas, uma vez que não há uma ligação destas reivindicações com o seu cotidiano, muito menos o interesse das lideranças atuais em envolver um número maior de pessoas em defesa delas.

A passagem por uma entidade estudantil acaba por adquirir um sentido efêmero. Uma vez formado para reivindicar o imediato, sem conectar sua ação com a luta mais geral da mudança da sociedade, esse(a) militante estudantil não seguirá militante ao terminar seus estudos. Não buscará, por exemplo, organizar-se no sindicato de sua futura profissão. Nem será um filiado a um partido político.

Mexer na estrutura do poder

Mas é necessário, também, ressaltar o fato de que a estrutura verticalizada das entidades contribui fundamentalmente para o seu isolamento. Os motivos são muitos. Primeiro, porque, para ser considerado do movimento, o estudante precisa ser membro de uma entidade. Só assim ele será um "representante legítimo" dos estudantes. Segundo, porque a democracia do ME só ocorre no interior das entidades. Uma estrutura vertical é mais fácil de ser controlada. Esses pontos justificam a afirmação de que verticalização e hierarquia não combinam com democracia.
A questão da hierarquização vai mais além. O binômio deturpado base/vanguarda expressa mais ainda a maneira vertical e autoritária do movimento. Uma vanguarda revolucionária é necessária para o processo de direção das transformações sociais. A luta de classes não nega esta necessidade, que é muito mais ampla no processo histórico do que um movimento segmentado. Nossa crítica, aqui, diz respeito à estigmatização da liderança política enquanto um "capa", o dirigente inquestionável, misticamente dono da verdade. Este termo passa a tornar-se um sufixo pejorativo quando se apresenta de forma natural e sem necessidade de referenciar-se enquanto líder. Uma alienação do poder estabelece-se; dominação, sujeição e impotência: assim se estabelece a relação entre a "base" e o "capa".

A aceitação desta situação por alguns é explicitamente desproporcional aos que a rejeitam. Essa relação provoca o afastamento de potenciais militantes que questionam esta sujeição. Estes, por sua vez, rejeitam a organização coletiva em seu conjunto, generalizando que, em toda organização existe uma relação de sujeição. A horizontalização do coletivo não pode ser confundida com a destruição da organização, como pregam os críticos do anarquismo. Quer dizer, ao contrário, que as relações horizontais e coletivas fortalecem a organização, pois as pessoas individualmente passam a considerar-se participantes dos processos decisórios e da construção da luta concreta.

Uma tarefa revolucionária é colocada em questão: a necessidade de abandonar as posturas "capistas" (noção deturpada de vanguarda), autoritárias e verticais, pois as mesmas vêm sendo rejeitadas pelo conjunto dos estudantes. E não se trata de, simplesmente, desenvolver técnicas de sedução de novos militantes, mas de profundas mudanças nas práticas políticas, portanto, uma atualização do ME. O desafio, então, é o de fazer com que o "estudante-base" passe de objeto a sujeito(a) do movimento.

A juventude muda, o movimento não

As últimas décadas têm apresentado mudanças consideráveis na condição social da juventude. Em outro espaço, poderemos aprofundar a discussão sobre essas mudanças. Por hora, salientemos apenas que, junto a essas mudanças vieram, também, novas demandas, novos conflitos, novas opressões sobre este segmento social. Equivocadamente, o ME manteve-se corporativista. Não conseguindo absorver, ou mesmo acompanhar as novas demandas, contribuiu ainda mais para o seu distanciamento em relação aos estudantes. Estes, por sua vez, não encontrando nas entidades estudantis respostas para suas ansiedades, estão criando canais alternativos de atuação. As entidades, aquelas "coisas formais", deixam de ser o espaço privilegiado de expressão das angústias e desejos da juventude.

Expomos então um outro desafio que necessita ser ultrapassado para quebrarmos as barreiras da atual constituição do ME: a necessidade de considerar o(a) estudante enquanto jovem. Trata-se de perceber que o nexo corporativo estudantil está envolvido de uma representação da condição do período do estudo, da estrutura/ambiente do estudo (escola, universidade) e restringe as demandas à questão da educação - que também recebe uma noção limitada de ensinar-aprender em sala de aula e não como uma ação transformadora do educar homens e mulheres para a compreensão da sociedade em que vivemos (vide Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire). Considerar o(a) estudante enquanto jovem força o movimento a compreender as especificidades da condição juvenil.

Além do mais, esta é uma compreensão estratégica para a continuidade das lutas sociais. O militante do ME pode interromper a sua militância ao terminar seus estudos, ou limitá-la, como já foi exposto, aos problemas que permeiam a condição do estudante. A compreensão da condição juvenil traz a tona os problemas que atingem este segmento social: as opressões de geração, sexualidade, trabalho precário, educação alienante, indústria cultural. Pode, também, extrapolar as questões da Juventude, ao ponto que as percebe enquanto contradições sociais do próprio sistema capitalista. Desta forma, as questões de qualidade de vida - ou melhor, da ausência da qualidade de vida são imediatamente vinculadas àquele sistema. Saúde, moradia, educação, emprego, terra, cultura, violência, todos esses pontos são ligados diretamente a mercantilização da vida e do ser humano.

É fundamental, Por exemplo, compreender que o estudante tem sexo. Ao compreender que existem opressões estruturantes do sistema, que as mulheres são educadas para o espaço privado, que não participam do movimento por que o próprio movimento é masculinizado e excludente é um passo importante para criar políticas mais democráticas e socialistas.

Seguindo a orientação de Karl Marx, para quem o sujeito revolucionário precisa compreender a totalidade do ser humano e transformá-lo em homens e mulheres novos. É preciso tornar o(a) estudante – o(a) jovem - em sujeito do movimento, e não mero objeto. Por isso urge a necessidade de compreender as aflições e os interesses dos estudantes e proporcionar uma atuação política prazerosa.

Para que não fique confusa a questão do interesse dos estudantes, é preciso expor uma última observação, muito bem analisada pelo marxismo. Existe uma diferença entre o interesse real e o interesse aparente dos indivíduos. Às vezes - na maioria das vezes - é exposta uma necessidade que, na realidade, não passa de um desejo provocado pelo imediato. Para dar um exemplo bastante simplista, imaginemos aquela pessoa que trabalha o mês inteiro para destinar um terço do seu salário para o pagamento do plano privado de saúde. Seu desejo aparente é que o plano de saúde fique mais barato. Mas precisamos perceber que o interesse real é que não fosse necessário pagar para poder ter acesso à saúde de qualidade, que o SUS fosse plenamente implementado. Mas aquela pessoa já não acredita que isso seja possível e, portanto, não contribui na luta pela melhoria do sistema público. Esse exemplo vale para o interesse dos estudantes. O consumismo exacerbado e a preparação para a competição é uma necessidade imposta pela cultura capitalista à juventude. Não trata-se de uma necessidade real, mas ilusória. As lideranças do ME precisam ter como desafio a incorporação das necessidades reais dos estudantes, e não cair na demagogia de atender aos anseios ilusórios que lhes são impostos. O ME não pode permanecer corporativamente estudantil. Torna-se necessário incorporar, de forma crítica, os anseios reais da juventude, denunciando os interesses aparentes e ilusórios.

São as questões sobre a cultura, a ecologia, o feminismo, a sexualidade, o combate ao racismo, o cotidiano da exclusão e da opressão que vêm tomando espaço e impondo pautas de discussão. O resultado positivo disso é a busca por expressão através de grupos e de outros movimentos. O ME, permanecendo corporativista, tende a se tornar um gueto, no qual existirá uma representação sem representantes. A perda da legitimidade da atual estrutura e cultura política do movimento tende a se acentuar cada vez mais. O compromisso das lutas da juventude com as lutas da classe trabalhadora – exaltada por Trotski como tendência histórica – contra toda forma de exploração e opressão que são bases de sustentação do sistema capitalista será fortalecido se existir um movimento de juventude. O projeto de transição ao socialismo tende, então, a se tornar cada vez mais próximo.

Anderson Campos

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