quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Porque Economistas Feministas e Anti-Racistas Precisam ser Marxistas


Este artigo defende uma economia marxista feminista e anti-racista. Argumenta que a economia política e social feminista e anti-racista precisa trabalhar dentro da estrutura teórica marxista para entender a dinâmica do capitalismo e defender uma alternativa socialista libertadora.

À primeira vista, isso pode ser uma proposta confusa. Feministas e anti-racistas criticaram Marx e marxistas por privilegiar classe e virtualmente ignorar gênero e raça, e por enfatizar a centralidade das relações econômicas (leia-se a mediação do mercado) sobre as relações familiares. Contudo, através dos anos, marxistas-feministas e anti-racistas trabalharam para tornar o marxismo uma tradição mais adequada na qual se estabelecessem. Os aspectos abrangentes do marxismo representam, em minha opinião, uma estrutura e um ponto de partida coerente e frutífero para a análise econômica feminista e anti-racista que é de longe superior à outra alternativa dominante, a economia neoclássica.

1)A análise econômica marxista oferece às economistas feministas e anti-racistas uma estrutura teórica que é compatível com análises de gênero e raça como construções sociais. A chave para as teorias feministas e anti-racistas é o desafio de argumentos de “diferenças naturais” que foram usados por sociedades para justificar desigualdades de gênero e étnico-raciais. As economistas feministas e anti-racistas querem argumentar que essas diferenças e desigualdades são socialmente construídas e por essa razão abertas a mudanças. A economia marxista permite exatamente tal análise. A teoria marxista centrou-se na construção de classe. Contudo, marxistas feministas e anti-racistas aperfeiçoaram a economia marxista para mostrar os caminhos nos quais as relações econômicas e instituições contribuem para a construção de gênero e etnicidade de raças.

Olhar o marxismo como teoria das relações sociais fundamentais

Feministas marxistas, por exemplo, desenvolveram e utilizaram o conceito de divisão sexual do trabalho – a designação de sexos para atividades sociais diferentes e desiguais – como chave para a construção de diferenças de gênero. Teóricos raciais mostraram como divisões raciais de trabalho produziram e reproduziram raça, assim como classes e gêneros diferenciados sobre raças. Mais ainda, a interdisciplinaridade da teoria marxista deixa espaço para a incorporação de processos não-econômicos para uma análise da construção de gênero e raça – processos tais como religião, psicologia, família e política. Em contraste, a economia neoclássica oferece pequena possibilidade de incorporar pontos de vista feministas e anti-racistas de diferenças de gênero e etno-raciais. Explica a desigualdade racial e de gênero como o resultado de diferenças naturais em habilidades, diferenças raciais e sexuais em preferências, e “gostos” discriminatórios. Todas essas três são vistas como tendo origem fora da economia, e por isso fora do domínio da teorização econômica. Ainda, tais teóricos têm pouco a dizer sobre as origens da desigualdade ou das preferências discriminatórias – e, em particular, ignoram o poderoso papel que a economia capitalista tem desempenhado ao produzir e reproduzir racismo e sexismo.

2)Economistas feministas e anti-racistas perceberão que a teoria marxista por sua postura política explícita é mais acessível do que a teoria neoclássica com suas referências brancas e masculinas. É verdade que Marx afirmava que sua teoria era objetiva e científica, e de fato, utilizava essa afirmação para denominar feministas socialistas como “utópicas”. Por outro lado, Marx entendeu a importância política das idéias – especialmente o papel das teorias predominantes em racionalizar o status quo. Por esta razão, a crítica feminista e anti-racista quanto ao foco principal da economia marxista ser na classe, o que protege interesses brancos e masculinos, é compreensível a partir do discurso marxista. Mais ainda, pode-se partir das considerações do marxismo sobre a construção de uma economia mais livre, igual, democrática e sólida, para o reconhecimento explícito de uma agenda política feminista e anti-racista motivando um trabalho teórico. Economistas feministas e anti-racistas deveriam ser marxistas porque o conceito econômico de classe que a teoria marxista desenvolve é indispensável a qualquer entendimento significativo de gênero e raça e para as organizações feministas e anti-racistas terem sucesso.

Processos de classe diferenciam gênero e etnicidade em formas significativas e teorias que ignoram essas diferenças são invalidadas. Por exemplo, as teorias marxistas feministas argumentaram que o desempenho das mulheres no trabalho doméstico não pago para seus maridos é o aspecto chave da opressão das mulheres. Contudo, algumas mulheres foram capazes de usar o privilégio de classe – normalmente obtido através de seus maridos – para libertarem-se desse trabalho. Em contraste, mulheres pobres assumiram esse trabalho como empregadas domésticas e, ao mesmo tempo são chamadas a cuidar adequadamente de suas próprias famílias.

Similarmente, a opressão racial-étnica não pode ser vista como um fenômeno unitário de cruzamento de classe.

Finalmente, a incorporação de uma postura baseada na classe é necessária para a visão política de economistas feministas. Um foco sobre gênero sozinho tende a dissolver-se em políticas de ação afirmativa e anti-discriminatórias. Mesmo que essas fossem de alguma forma capazes de separar raça e gênero de classe, trazendo representação igual de mulheres brancas e pessoas não brancas através da hierarquia econômica, a maioria das mulheres e pessoas não brancas seriam classe trabalhadora, vivendo à margem da economia, sem controle significativo sobre as condições de trabalho, sujeitas ao risco de repentino desemprego e pauperização.

3)Economistas feministas e anti-racistas precisam basear suas análises na teoria marxista – em vez da teoria neoclássica – para ter a possibilidade de imaginar a construção de uma sistema econômico melhor. Porque de fato, as maiores vítimas do capitalismo não são, como sugerido por Marx, homens brancos da classe trabalhadora, mas sim mulheres pobres e não brancas, especialmente mães solteiras e seus filhos.

As teorias marxistas oferecem uma estrutura dentro da qual economistas feministas e anti-racistas podem trabalhar para articular caminhos nos quais uma nova economia, mais socializada, democrática e corporativa pode ser construída – uma economia na qual gênero e raça são ambos reconstituídos de uma maneira não hierárquica, ou eliminados completamente e na qual a conexão economia – família pode ser reestruturada de forma que mulheres e crianças não estejam em desvantagem. Mais ainda, a teoria marxista oferece uma prescrição para tal transformação: ação coletiva, alimentada por uma ciência social libertadora.

*a autora é economista, do Wellesley College. Este texto é um resumo do item II do artigo “Porque feministas, marxistas e economistas políticos anti-racistas precisam ser feministas-marxistas-anti-racistas economistas políticos”, publicado em “Feminist Economics” vol.2, n.1, 1996, EUA. Traduzido por Maria Giuseppina Curione.

Versão publicada na Folha Feminista, edição 29, novembro de 2001

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