segunda-feira, 5 de março de 2012

Resolução Política da Coordenação Nacional do Coletivo de Juventude Enegrecer


A coordenação nacional ampliada do coletivo de juventude Enegrecer se reuniu na cidade de Salvador no dia 19 de novembro de 2011 e contou com representação de nove estados da federação para discutir a organização política e o debate de estratégia.

Introdução

1. O processo de reestruturação produtiva, o fenômeno da globalização, a desregulamentação financeira entre outros elementos que como conseqüência da implementação do programa neoliberal no Brasil foram responsáveis pelo aumento nos níveis de desemprego, corte nos gastos sociais mantidos pelo governo, agravamento da pobreza, da violência no campo e na cidade e por uma política de criminalização dos movimentos sociais em nosso país.
2. As conseqüências deste processo marcaram profundamente a dinâmica da juventude brasileira e o mundo do trabalho sendo características deste período a flexibilização dos regimes e contratos de trabalho, aumento da subcontratação, precarização, significando assim o aumento da exploração da força de trabalho em caráter concomitante a intensificação da mais valia absoluta com a mais valia relativa através da entrada de novas tecnologias e novas formas processuais do trabalho.
3. A formação de um novo (sub) proletariado oriundo de contratos precarizados, com aumento do mercado informal, terceirização e a ampliação do numero de desempregados marcou profundamente a juventude brasileira que vivenciou em sua plenitude este dificil momento, tendo como os principais focos de exploração os jovens negros e negras.
4. Fruto de um processo que historicamente colocou a margem da dinâmica de socialização jovens negros e negras, o neoliberalismo soma-se a este processo aprofundando as relações de trabalho que articuladas com novas formas de acumulação de capital encontrou na ação ilegal e criminosa uma forma de atender esta demanda, utilizando a mão de obra de jovens negros como instrumentos do narcotráfico e outras modalidades criminalizantes.
5. Todo este processo marcou significadamente toda uma geração de nossa juventude que se compreendiam impotentes frente à possibilidade de gerar melhorias em seus futuros.

A juventude negra e a luta pela superação do neoliberalismo

6. Com o advento do governo Lula em 2003, resultado de um importante processo de conformação de um campo político composto por forças democráticas e populares, este campo interrompeu os avanços do projeto neoliberal em nosso país projetando assim uma nova hegemonia política comprometida com o ascenso dos ideais socialistas e democráticos na direção central do país que contudo foi marcado por grandes contradições e importantes esforços na retomado do papel do Estado na relação com a sociedade.
7. Passados nove anos e após termos conquistados três vitorias consecutivas do projeto democrático e popular na disputa pelo poder central em nosso país podemos dizer que hoje importantes bandeiras reivindicatórias da juventude brasileira nos períodos de resistência ao neoliberalismo encontraram eco nos espaços de formulação e gestão de políticas publicas que desde então visam ressignificar a juventude brasileira como sujeitos de direito.
8. Notadamente as significativas conquistas que hoje a juventude brasileira se depara, frente ao acesso aos seus direitos não foram contempladas de forma equânimes pelos diferentes segmentos que constituem nossa juventude. As políticas publicas de juventude (PPJ’s) se constituíram como importantes instrumentos para o desenvolvimento sustentável deste segmento geracional tendo como referencial as políticas universalistas .
9. A compreensão do papel do racismo enquanto elemento estruturante das desigualdades que tanto assolam a juventude negra brasileira se tornou um fator essencial no processo de consolidação de políticas publicas que de fato possam dar fim a um processo histórico que invisibiliza nossa juventude e inviabiliza o acesso a oportunidades para nosso desenvolvimento enquanto sujeitos dotados de direitos.
10. A promoção da igualdade racial e o combate ao racismo envolvem estratégias que exigem uma ampliação do arco de alianças composta pelas organizações do movimento negro, poder publico e a sociedade como um todo. O fortalecimento de ações afirmativas com viés a promover o acesso da juventude negra às políticas publicas se torna um elemento central na dinâmica de se constituir um novo projeto nacional de desenvolvimento.
11. Compreendemos o uma nova perspectiva de desenvolvimento nacional como resultante de uma transição rumo a um modelo alternativo com grande incidência da soberania nacional frente à condução da política, distribuição de renda, tendo a justiça social como uma de suas características fundantes, solidariedade nas relações internacionais, regulamentação do sistema financeiro, respeito à natureza, ressignificação do papel do Estado frente a sociedade, ampliação e fortalecimento dos instrumentos de participação popular nas deliberações governamentais e o necessário comprometimento com o processo de reparação promovendo ao centro do desenvolvimento nacional a emancipação e promoção da dignidade dos mais de 51% do povo brasileiro.

Uma juventude com a cara e a luta do povo brasileiro.

12. O neoliberalismo foi responsável pela perda da segurança social, pela precarização do trabalho, pelo grande contingente de desempregados (as) que em sua maioria era composta por jovens e desse total ampla maioria de jovens negros e negras, muitos destes levados a criminalidade como única saída para sua sobrevivência.
13. O processo de criminalização dos movimentos sociais, a intensificação na luta pela posse da terra e a hegemonia do discurso do capital sobre o trabalho posicionou os setores progressistas e populares na defensiva no processo de enfrentamento ao projeto neoliberal.
14. O Estado enquanto indutor deste projeto foi responsável pelas distorções que aprofundaram as desigualdades e acentuaram a opressão vivida pela juventude negra em nosso país.
15. A institucionalização do poder paralelo exercido pelo trafico de drogas nas periferias e favelas, a violência contra a mulher em especial as jovens negras, o aumento do abismo econômico e social que separam brancos de negros e o exponencial crescimento da violência a partir do aparato publico de segurança que vem assassinando em níveis alarmantes jovens negros, em muitos casos criando “falsos positivos ” são frutos da redução do papel do Estado em acompanhar a gravidades destes casos transferindo a responsabilidade dos indivíduos para os problemas sociais.
16. A superação do paradigma neoliberal nos permite hoje traçarmos paralelos frente à realidade vivenciada pela juventude negra naquele período e nos dias atuais, nos apresentando como eixo norteador em ambos os períodos o caráter de resistência no processo de organização de jovens negros e negras.
17. Como saída as dificuldades impostas pela reduzida presença do Estado na vida cotidiana do nosso povo observou-se um processo de crescimento na criação de organismos não governamentais (ONG’S) com o objetivo de promover o fortalecimento da participação popular em processos de conscientização com vias a transformação social. As ONGs cumpriram e ainda cumprem um significativo papel entendendo que em alguns casos as organizações acessam espaços onde o poder publico não chega.
18. Parcela da juventude negra brasileira encontrou nesta dinâmica uma saída para dar resposta aos limites de organização que enfrentavam nossa juventude naquele período, tais organizações exerciam e ainda exercem um importante papel de denuncia contra a violação dos direitos humanos, as condições vivenciada pela juventude negra e a luta pelo empoderamento político e econômico de nosso jovens.
19. Contudo o processo de fortalecimento do terceiro setor em alguns casos vem acompanhado de uma importante contradição que o cerca. Em muitos dos casos estas organizações que promovem um significativo trabalho de contestação da situação alarmante em que se encontra a juventude negra brasileira possuem ligações estreitas com fundações empresariais, programas de cooperação com agências internacionais que agem como financiadoras, formadoras e/ou conselheiras no processo de constituição destes entidades e que em nada as compromete como uma visão critica das estruturas que organizam a opressão vivida por nossa juventude.
20. A forte reação promovida no ultimo período por setores conservadores da nossa sociedade que intensificaram seus ataques as conquistas das classes populares e oprimidas no intuito de conter o ascenso dos trabalhadores e trabalhadoras em nosso país nos evidencia o importante papel que a luta de classes ainda possui na dinâmica de organização das relações sociais.
21. Fruto dessa mesma luta cabe a juventude negra cumprir sua tarefa histórica de se constituir como importante instrumento na disputa por uma sociedade que seja a conseqüência das lutas e anseios do povo brasileiro.

A luta política e os desafios da juventude negra

22. Os desafios apresentados para a juventude negra no próximo período resultam da compreensão da luta política que temos em curso, da manutenção e aprofundamento das conquistas obtidas no campo das políticas publicas, da coesão do movimento negro e demais segmentos do movimento social brasileiro frente ao criminoso genocídio da juventude negra e a afirmação do caráter anticapitalista de nossas mobilizações.
23. Bandeiras como as políticas de ações afirmativas na educação, no mercado de trabalho e no acesso aos espaços de poder seguem como elementos centrais em nossas formulações, contudo compreendemos a importância de ampliarmos nossas pautas reivindicatórias e nos apropriarmos de espaços antes restritos a uma militância especifica.
24. A disputa que esta sendo travada no campo dialoga objetivamente com a perspectiva de manutenção de uma hegemonia do agronegócio sobre a agricultura familiar frente aos desafios de desenvolvimento do espaço rural no Brasil.
25. Esforços por parte dos representantes dos latifundiários no parlamento resultaram na retirada do dispositivo que garantiria aos povos remanescentes de quilombos garantia a posse de seus territórios ancestrais hoje assediados pela agricultura de mercado.
26. A defesa dos territórios remanescentes de quilombos assim como políticas de promoção da dignidades de seus moradores com centralidade na juventude quilombola se torna cada vez mais um eixo norteador nos processos de organização da juventude negra brasileira.
27. A disputa de rumos na elaboração e aplicação das políticas publicas para a juventude brasileira se constituem também como um elemento estratégico no sentido de garantir que as ações e programas contemplem os jovens negros e negras e contribuam para a afirmação de nossa identidade e o acesso a oportunidades.
28. Ainda que pese os avanços obtidos a juventude negra se encontra em situação desfavorável quanto ao acesso as políticas públicas, em virtude de dispormos de menor tempo em nosso dia a dia para atender as nossas demandas de subsistência.
29. Uma política que de fato promova a níveis equânimes o acesso a oportunidades a juventude negra deve contemplar a perspectiva de atraso na entrada do mercado de trabalho pela nossa juventude compreendendo que os milhões de jovens negros e negras no Brasil hoje ou estão desempregados ou em trabalhos precários comprometendo assim o seu pleno desenvolvimento e o acesso aos direitos como a educação,saúde, a cidade, justiça e a construção de nossa própria identidade.
30. Resultante do processo simbiótico do patriarcado e do capitalismo, a opressão vivida pelas jovens mulheres negras, ganha duplo caráter quando somos discriminadas a partir do nosso pertencimento étnico e nossa condição de gênero.
31. O machismo enquanto uma construção que objetiva demarcar socialmente o papel das mulheres na sociedade e na relação com os homens promove uma dinâmica de descriminação e a perca da autonomia sobre nossos próprios corpos.
32. A luta pela descriminalização e legalização do aborto se torna uma dos principais instrumentos de denuncias e enfrentamento das jovens mulheres negras contra as bases materiais, machistas e racistas que organizam nossa sociedade, tendo como principal elemento de denuncia o grande numero de jovens mulheres negras que morrem ao recorrer a pratica do aborto.
33. O empoderamento político e maior participação das jovens mulheres negras assim como a defesa pela livre orientação sexual seja de homens e mulheres se tornam também importante eixo aglutinador de nossa militância.

Um projeto estratégico para a juventude negra

34. Os desafios anteriormente alencados apresenta ao conjunto da militância do Enegrecer o processo de nos consolidarmos enquanto uma juventude negra anticapitalista com as tarefas de organizar e aglutinar forças em torno do programa da revolução democrática.
35. Reivindicamos e apresentamos a revolução democrática como um processo de transição fruto das vitorias estratégicas do bloco histórico que derrotou o projeto neoliberal no Brasil e vem se consolidando como uma alternativa frente às atuais crises do modelo capitalista nas economias centrais do mundo.
36. Assim como também o redimensionamento do caráter democrático do Estado brasileiro a partir da suas instituições, do aprofundamento das transformações sociais em curso e do reposicionamento enquanto elemento estratégico da luta emancipatoria dos negros e negras na constituição de uma sociedade solidaria e antirracista.
37. O Coletivo Enegrecer se constitui como um frente de auto-organização de jovens negros e negras com a atribuição de promover uma intervenção política comprometida com a promoção da igualdade racial e o combate ao racismo nos diversos espaços onde estamos inseridos.
38. Ao acumularmos para espaços como o movimento estudantil a partir da corrente política Kizomba que vem desde 1999 disputando os rumos da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES) promovendo assim uma apropriação destas históricas entidades de juventude com as pautas do movimento negro brasileiro, contribuiremos também para os espaços de organização do movimento de mulheres a partir da nossa participação na Marcha Mundial das Mulheres, nas pautas do movimento de juventude quilombola, junto a juventude negra que constroem o movimento por moradia a partir da Coordenação dos Movimentos Populares (CMP), na formulação de políticas publicas para a juventude negra e reconhecendo na Central Única dos Trabalhadores (CUT) um importante instrumento de luta da classe trabalhadora em nosso país.
39. Nosso principal referencial são os processos e as lutas que constituíram o movimento negro brasileiro, reivindicamos esta tradição e delas nos incorporamos a fim de contribuirmos para os seus espaços de juventude, nossos esforços consistem em um trabalho conjunto com demais organizações de juventude negra promovendo uma atuação responsável e combinada com capacidade de incidir sobre as pautas estratégicas para a emancipação do povo negro em especial nossa juventude.
40. A compreensão de que somente a luta política transforma organiza nossa intervenção frente aos desafios colocados pelo período atual e nos coesiona para as tarefas que desenvolveremos.

Coordenação Nacional do Coletivo de Juventude Enegrecer

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