terça-feira, 24 de agosto de 2010

Mercado de Trabalho e Racismo



Falar sobre o mercado de trabalho no Brasil, a partir da Segunda metade do século XIX, é antes de mais nada nos reportarmos ao longo processo de constituição da ideologia racial implementado por intelectuais e pelas classes dominantes a partir deste período. Isso significa que, esgotada a possibilidade de continuar com o trabalho escravo, tratava-se de “branquear” o país visando o advento de uma sociedade nos moldes ocidentais. Aqui, civilização era tomada como sinônimo de branco e europeu. Esse rumo fica evidenciado através da intervenção do Estado no sentido de financiar a importação de mão-de-obra da Europa para trabalhar nos cafezais e na nascente indústria no Sudeste, especialmente em São Paulo.

A marginalização dos negros ocorre dentro de um contexto histórico, processo de abolição da escravidão e formação econômica moderna, onde a estrutura de classes da sociedade nacional está se constituindo e como conseqüência teremos o posicionamento desfavorável dos negros, devido a forma de inserção desigual na estrutura de classes, no que se refere a renda, escolaridade e ocupação.

Em outros termos, poderíamos dizer que o Estado a partir da segunda metade do século XIX, pós-1850, e, principalmente, início do século XX, até meados dos anos 40, foi o veículo primordial da formação de um mercado de trabalho fundado na exclusão dos negros e descendentes.

Esse mercado de trabalho, estruturado de cima para baixo pelo poder estatal, privilegiava os indivíduos brancos e dificultava o acesso de outros grupos raciais tendo em vista a crença, então em voga por aqui, a respeito da superioridade dos brancos. Essa ideologia racial irá, evidentemente, dificultar a inserção dos negros no nascente mercado de trabalho tendo em vista sua suposta inferioridade e a discriminação racial será, então, uma das marcas visíveis que o negro encontrará na busca por trabalho.

Nesse sentido, uma das características marcantes do mercado de trabalho brasileiro até hoje é a desigualdade de oportunidades entre os grupos raciais. As estatísticas revelam um quadro aterrador acerca da maneira como brancos e negros estão distribuídos na estrutura ocupacional.

Podemos, com certeza, afirmar a existência de uma reserva de mercado em determinadas profissões que privilegia alguns indivíduos em função da cor da pele. Ë o que podemos constatar em amplos setores profissionais na sociedade capitalista brasileira. Enquanto algumas ocupações são deliberadamente preenchidas por brancos, onde estão situados os maiores rendimentos e as melhores oportunidades, outras abrigam aqueles indivíduos com menores possibilidades escolares e profissionais, como é o caso dos negros, auferindo rendimentos inferiores.

Estas desigualdades, que se prolongam até o trabalho, estão presentes, também, no interior do processo educacional e observamos isto na baixa escolaridade alcançada por negros em comparação com os brancos; basta conferirmos as estatísticas atuais da FIBGE, Ipea/Ministério do Trabalho ou do Ministério da Educação.

De acordo com os dados do Provão/2000- Inep/Mec, dos formandos que fizeram o provão em 2000 nos cursos de Administração, Direito, Medicina Veterinária, Odontologia, Medicina, Jornalismo e Psicologia, dentre outros, mais de 80% é constituído por brancos (respectivamente, 83,3%, 84,1%, 84,9%, 85,8%, 81,6%, 81,5% e 83,3%). Por sua vez, para os mesmos cursos, os negros aparecem nos seguintes percentuais: 1,6%, 2,0%, 1,1%, 0,7%, 1,0%, 2,9% e 1,6%.Esta pesquisa revela, também, a baixa freqüência dos negros nas universidades brasileiras. Enquanto 80% dos universitários são brancos, somente 2,2% são negros (“Provão revela barreira racial no ensino”. Folha de São Paulo, Cotidiano. 14/01/2001)[1].

A partir das Universidades podemos ter uma visão perfeita de como estará constituído o mercado de trabalho em algumas profissões. Este funcionará como um espaço de segregação racial uma vez que, concluir o curso superior significará melhores oportunidades de trabalho para brancos, o que nos leva a suspeitar que o Estado através de políticas públicas, notadamente educacionais, alimenta este processo. Em outros termos, existe uma preferência por parte dos empresários capitalistas em um tipo de profissional onde o quesito cor é bem significativo.

Isto terá efeitos consideráveis quanto aos rendimentos de brancos e negros. Assim, podemos relacionar educação, trabalho e renda e teremos uma dimensão exata da forma como está organizada a estrutura ocupacional no Brasil, observando a influência recíproca entre esses fatores que tem sua base na inserção do negro na estrutura de classes da sociedade brasileira. Acrescentando a isto a questão da discriminação e da ideologia raciais.

As conseqüências de tudo isso são bem conhecidas: miséria, favelas, violência, perseguição policial... como marcas que registram os estereótipos e preconceitos. Segundo a Folha de São Paulo, no Rio de Janeiro, “70,2% dos mortos são de cor preta ou parda; brancos somam 29,8% das vítimas”, o que leva a conclusão que a “polícia do Rio mata mais negros e pardos” (Folha de São Paulo. Cotidiano. 15/05/2000).

Práticas discriminatórias presentes no cotidiano indicam a permanência do racismo. A sociedade brasileira preserva profundas desigualdades raciais, de rendimentos, educacionais e ocupacionais.

O racismo, a discriminação racial tem seus efeitos sobre homens e mulheres negras, sendo que estas sofrem duplamente o preconceito e a discriminação raciais, que procuram “caminhos” para burlar as portas fechadas no mercado de trabalho. A forma como isso ocorre pode ser notada na crescente formação de grupos anti-racistas e pela valorização da cultura negra, bem como pelo surgimento de movimentos negros voltados para a tentativa de exigir do Estado determinadas políticas públicas que venham a beneficiar as populações historicamente discriminadas.

O desafio é ultrapassar, através de profundas mudanças culturais e sociais, o preconceito, a discriminação e o racismo. No entanto para que isso ocorra é fundamental tomarmos consciência das marcas impressas pelo racismo (baixa estima, medo, insegurança, desconfiança, temor) para, de vez, exterminá-lo. Evidente que esta é uma tarefa árdua e cabe a nós levá-la a cabo.

[1] Esta pesquisa classificou a população em cinco grupos raciais: brancos, negros, pardos/mulatos, amarelos, indígenas ou caboclos. O percentual para pardos/mulatos que fizeram o provão é de 13,5%; para amarelos, 2,6% e indígenas ou caboclos, 1%.

Por CLEITO PEREIRA DOS SANTOS
Economista e Sociólogo. Mestre em Sociologia/ UFMG

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