quarta-feira, 21 de julho de 2010

Censo 2010 Sou negro e sou de Axé!


No próximo mês de agosto, a população brasileira dos 5.565 municípios estarárecebendo recenseadores e recenseadoras para o levantamento demográfico quedesde o primeiro censo, em 1872, com 643(1) municípios, se mostrou comoimportante fonte de dados.Sabemos do valor das informações coletadas para acompanhar o crescimento, adistribuição geográfica e a evolução das características da população e comoelementos importantes para definição de políticas públicas em nívelnacional, estadual e municipal, bem como para a tomada de decisões nainiciativa privada, incluindo, atualmente (para algumas), as ações deresponsabilidade social.Foi no censo de 1872 que, pela primeira vez, o conjunto da população eracompreendido oficialmente em termos raciais, base para o estabelecimento denovas diferenças entre os grupos sociais. Diferenças ainda longe dasconcepções hierarquizantes e poligenistas que se acercariam da noção deraça, anos mais tarde.Naquele momento, tratava-se de conhecer uma população de ex-escravizados quecomeçava a exceder cada vez mais o número dos ainda escravizados. E estadiferença era possível na medida em que a instituição escravista tinhaperdido a legitimidade devido à ação de grupos abolicionistas ou mesmo pormeio das consequências da abolição do tráfico (1850) ou das leis posterioresque prometiam, apesar de gradual, a abolição da escravidão: a lei do ventrelivre (1871), depois a lei dos sexagenários (1885), seguida da proibição dosaçoites (1886) (2).É muito importante anotar que a noção de “cor”, herdada do período colonial,não designava, preferencialmente, matrizes de pigmentação ou níveisdiferentes de mestiçagem, mas buscava definir lugares sociais, nos quaisetnia e condição social estavam indissociavelmente ligadas. (3) O novo Movimento Negro, surgido nos anos 1970, enfrentou a falácia da“democracia racial” entendendo que a o quesito “cor” era determinante dolugar social da população negra. Esse conhecimento, sustentado pormilitantes e pensadores na área das ciências humanas e sociais (incluindo aeconomia e a estatística), levou a uma campanha, em nível nacional, para ocenso de 1991: “Não deixe sua cor passar em branco”. Se fizermos uma breve retrospectiva do quesito “raça” / “cor” nos censos doPaís, não é difícil compreender a necessidade dessa campanha por parte doMovimento Negro:1 - o quesito “raça” foi pesquisado nos censos de 1872 e de 1890;2 - foi suprimido em 1900 e 1920;3 - o quesito retorna em 1940, sob o rótulo de “cor”;4 - em 1970, o questionário não contemplou o quesito “cor”;5 - em 1980, o quesito volta a aparecer;6 - em 1991 o quesito “cor” está presente, incorporando a (nova)categoria “indígenas e amarelos”;7 - o censo de 2000 admitiu “raça e cor” como sinônimos, compondouma única categoria (“cor ou raça”). (4)A força da campanha do Movimento Negro tinha ainda maior razão! Além dainvisibilidade da população negra, pela falácia da “democracia racial”, oquesito “cor”, respondido apenas no Questionário Amostra, tangenciava umapopulação já impregnada pelo não lugar do ser negro, colocado sempre nolugar de 2ª classe!“Não deixe sua cor passar em branco!” cobriu o censo de 1991 e foi reprisadano censo de 2000, com o objetivo de sensibilizar os negros e seusdescendentes para assumirem sua identidade histórica insistentemente negada;ao mesmo tempo em que era um alerta para a manipulação da identidadeétnico-racial dos negros brasileiros em virtude de uma miscigenação que seconstitui num instrumento eficaz de embranquecimento do país por meio dainstituição de uma hierarquia cromática e de fenótipos que têm na base onegro retinto e no topo o ‘‘branco da terra'', oferecendo aos intermediárioso benefício simbólico de estarem mais próximos do ideal humano, o branco.(5)Apesar de, neste novo censo de 2010, o quesito “cor ou raça” sair doQuestionário da Amostra e passar a ser investigado também no QuestionárioBásico, cobrindo toda a população recenseada (6), ainda há um longo caminhoda superação do racismo para que todos e todas respondam pela dignidade epelo reforço da auto-estima de pertencerem a um grupo étnico que só temfeito contribuir eficiente e eficazmente para o desenvolvimento do País.Ao contrário do que propõe as “assertivas” de exclusão, a identificação dapopulação negra se faz necessária sempre e a cada vez para que se constateem números (como gosta o parâmetro científico) o racismo histórico que aindaestá perpetrado sobre a população negra. Só depois que alcançarmos aliberdade de fato é que as anotações étnicas passarão a ser fatores quedizem respeito exclusivamente à cultura. Enquanto estivermos, como estamoshoje – após 122 anos da abolição da escravatura – vivendo uma abolição nãoconclusa, precisaremos reafirmar nossa etnia do ponto de vista político;econômico; habitacional; na área da saúde; na área da educação; nascondições de supressão da liberdade que não se dá apenas aos presidiários,mas a pais e mães que clamam por políticas para garantir que seus filhos efilhas possam crescer com dignidade e sem ameaças.A proposta do IBGE de tirar a “fotografia” mais nítida o possível do Brasil,ainda está longe de ser alcançada!E a luta do povo negro não termina! O racismo é tão implacável que, a cadaetapa alcançada, um novo desafio se apresenta!Para este ano, novamente o Movimento Negro está em campanha, em nívelnacional! E, agora, é para que todos aqueles que são adeptos das Religiõesde Matrizes Africanas respondam sem qualquer dissimulação: “Quem é de Axédiz que é!” (**)O quesito “religião ou culto” continua no Questionário de Amostra e temcampo aberto para que o recenseador ou a recenseadora anote a “religião ouculto” declarado pelo cidadão, pela cidadã.Tanto no quesito “cor ou raça” para todos (no Questionário Básico); quantono quesito “religião ou culto” para alguns que responderão o QuestionárioAmostra, a população negra e seus descendentes estão conscientes de que suaspalavras precisam ser firmes e que devem estar atentos para que a anotaçãoseja feita sem qualquer margem de erro em relação ao que declarou.Já se justificou essa omissão do quesito “cor” por um possível empenho doregime republicano brasileiro em apagar a memória da escravidão. Entretanto,parte da explicação pode vir do incômodo causado pela constatação de quenossa população era marcada e crescentemente mestiça, enquanto as tesesexplicativas do Brasil apontavam para os limites que essa realidade colocavaà realização de um ideal de civilização e progresso. (7)Não temos qualquer dúvida de que a resistência em tratar de raça-cor e emtudo o que a discussão implica – como políticas de reparações, com fundopara superação do racismo histórico – é a mesma que teremos de enfrentar notratamento das Religiões de Matrizes Africanas. Não dissimular a declaraçãode adepto ou adepta das religiões de Axé, trazidas e preservadas comomemória ancestral por aqueles e aquelas que resistiram à travessia e mortenos porões dos navios tumbeiros é dignificar a humanidade que por princípioe necessidade é diversa e assim deve permanecer.A poligenia está superada! As evidências de que a humanidade surgiu nocontinente africano são cada vez em maior número e com rigor científicosempre mais acurado. O conceito de raça não tem o menor sentido, dizemnossos opositores, no afã de jamais ceder o lugar histórico de conforto aque estão acostumados! Enquanto não repararmos o estrago que o usohistórico do conceito fez a cidadãos e cidadãs que hoje são em mais de 50%da população, qualquer discussão conceitual será apenas a má retórica quetenta persuadir para continuar reinando.Por isso,Não vamos deixar nossa cor passar em branco!E vamos dizer que somos de Axé!“Quem é de Axé diz que é

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